Esse ano o Salão do livro em Paris homenageia a literatura
brasileira, num total foram convidados 43 escritores. Eu, particularmente, só
sabia da ida de um escritor negro, que é o Paulo Lins, mais conhecido pela obra
"Cidade de Deus" que deu origem ao famoso filme. Portanto, só fiquei
sabendo que havia uma escritora negra depois de ler esta matéria da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/03/1606652-negra-em-salao-do-livro-causa-furor-diz-autora-brasileira.shtml
Eu como escritor de pele preta sei bem o que essa escritora
deve estar passando. Algo parecido já aconteceu comigo em um festival literário
que participei aqui no Rio de Janeiro, as pessoas me fitavam com um olhar de
estranheza, tipo "Mas esse criolo é escritor?".
Em um concurso literário que participei uma vez, fui até
abordado por um dos participantes. O concurso era de poesia, e eu tinha que
subir ao palco para recitar a minha, quando desci ele me disse o seguinte:
"Rapaz, quando você subiu eu logo disse para a minha esposa que você não
tinha cara de poeta, mas assim que você começou a recitar eu fiquei muito
surpreso e feliz, pois você é dos bons, parabéns." Nem preciso dizer que o
cara era branco. A abordagem dele até que foi bem amistosa e simpática, ele
estava realmente satisfeito de me ver ali, pois talvez ele nunca tivesse conhecido
um poeta preto pessoalmente. Eu fiquei com essa história na minha mente por
muito tempo, foi algo marcante, lembro até hoje, e isso me dá força para
continuar fazendo o meu trabalho, quero que as pessoas se espantem mesmo,
sempre adorei quebrar paradigmas, sempre gostei de causar surpresas. Só que em
contrapartida, eu sei que nem todo negro vai lidar muito bem com essa situação,
até porque as pessoas são diferentes umas das outras, cada um tem sua
personalidade; do mesmo modo que eu posso me sentir forte por uma situação,
outro irmão pode se sentir fraco pela mesma situação. E é por isso que é tão
importante que os negros estejam em TODOS os setores da sociedade,
principalmente os mais prestigiados e ainda conhecidos como elitizados, pois a
literatura é um ambiente totalmente elitizado, e consequentemente esbranquiçado
- assim como inúmeros outros setores. Mas isso precisa mudar! Por isso o empoderamento
do negro precisa ser cada vez mais forte, para servir de exemplo, para que a
criança negra olhe e veja que pode ser o que quiser, mesmo que ela não se veja
representada em maioria, mas ela precisa ver algo, precisa saber que existe
alguém lá, fazendo o que ela quer fazer, e ela precisa ver que aquela pessoa é
parecida com ela.
No caso dessa escritora deve ter sido muito pior, até por
ela ser mulher e o evento ser na Europa. A sensação de se sentir um estranho no
ninho é muito complicada. Mas precisamos ter representatividade!
Destaco aqui uma fala extremamente marcante da escritora:
"A presença da negra fora das instâncias em que se está acostumado
a vê-la causa furor. Não seria a mesma coisa se isto aqui (o salão) fosse um
festival de gastronomia em que baianas estivessem preparando acarajés."