A culpa é minha mesmo.

Foto: Luciano Andrade.


Meu nome é Maycon, tenho 13 anos de idade. Minha mãe era muito fã do Michael Jackson, mas ela não sabia ao certo como escrevia o nome dele, daí na hora de registrar o meu ficou diferente mesmo.
Hoje já acordei com a molecadinha pedindo pra eu ficar ligeiro, pois agora quem é dimenor também pode ir preso. Eu só tenho 13, mas tô ligado que daqui a pouco eles abaixam até a minha idade, ou eu chego até a idade que eles querem, mas uma hora a gente vai se encontrar, isso é certo.
Pra falar a verdade, se eu for preso a culpa vai ser minha mesmo.
Tem gente que fala que tem que ter educação. Mas eu tive!
Quando eu ainda tinha casa, eu estudava, ia todos os dias pra escola, eu tinha uma tia que até dormia nas aulas. A outra, a tia Mônica, já chegou a falar que iria fingir que estava dando aula, pois estava há meses sem receber pagamento, acho que era uma parada de greve que estava rolando, mas se ela entrasse nessa tal greve, ia sair ainda mais prejudicada.
Na hora da merenda era legal, a gente tinha que roubar o lanche dos mais lerdos, pois não tinha merenda pra todo mundo, e como eu estudava de manhã, e em casa nem sempre tinha pão, eu ficava cheio de fome durante toda a aula, nem conseguia me concentrar muito por causa disso, por isso que eu roubava lanche. Analisando agora, eu acho que foi na escola que eu aprendi a roubar. É, deve ter sido.
No final do ano dava tudo certo, eu me sentia inteligente pra caramba, pois sempre passava de ano, depois é que fiquei sabendo que a minha escola não reprovava. Mas educação eu tive, isso não é desculpa.
Tem outra galera que fala que a culpa dessa molecadinha estar no crime é por causa da família, ou melhor, pela falta dela. Mas também não consigo entender isso, pois eu também tive família.
Minha mãe me criou sozinha, tudo bem que ela saía pra trabalhar bem cedinho - ainda no escuro - e voltava pra casa já bem de noite, e boa parte do meu dia eu ficava na rua. Mas minha mãe era carinhosa, chegava cansada e ainda conseguia me dar atenção, perguntava como eu tinha ido na escola. Às vezes ela dormia sentada, ou até mesmo fazendo a marmita para levar no dia seguinte, eu já cansei de levá-la pra cama e terminar sozinho o que ela estava fazendo, e ela sempre dizia que eu era um filho exemplar por causa disso. A gente não se via muito, mas éramos uma família, até porque, aprendi que família é mãe com filho, com todos os meus amigos era assim. Fiquei sabendo que família é outra coisa no bairro dos bacanas, mas como nunca fui lá, só posso falar das famílias que vi.
Hoje eu não moro mais com a minha mãe e nem estudo, a gente morava em um barraco de invasão, e do nada a prefeitura chegou lá derrubando nossa casa, teve um policial que deu até um tapa na cara da minha mãe só porque ela queria pegar uns documentos, nunca vou me esquecer dessa cena. Só sei que no dia a gente ficou sem saber o que fazer, minha mãe foi morar de favor na casa de uma conhecida, mas lá não tinha espaço pra dois, daí eu fugi, pois sabia que minha mãe ia pedir pra eu ficar no lugar dela, mas eu não quis isso, eu me viro muito melhor sozinho do que ela, sou novo ainda, por isso saí fora; vim escondido mesmo, até hoje minha mãe não sabe de mim, sinto falta dela, mas qualquer dia eu volto.
É por isso que não aceito quando dizem que a culpa do crime é da falta de educação ou da falta de família, eu tive os dois, e ainda tenho, pois a molecadinha aqui da praça é a minha família hoje, a gente se protege, cuida um do outro, ri junto, passa veneno junto, passa fome junto, apanha junto, tudo é junto, e pelo que eu sei essa é a essência de uma família, estar sempre junto.
Vou fazer de tudo pra não ser preso, mas se um dia isso acontecer, a culpa vai ser minha mesmo, pois tive família e tive educação.


Bruno Rico. 

O sofá maldito de Shah Jahan.


Ele controla o mundo do sofá da sala, e que sala! Equipada com uma acústica de som double surround, todas as caixas embutidas em um acabamento de rebaixamento de gesso; a mesa de centro possui um vidro temperado que não fala português, assim como todas as bebidas que ficam expostas para as visitas, que sempre surgem para puxar seu saco, pois gente que tem muito dinheiro é isso aí, tem tanto baba-ovo quanto dinheiro na Suíça.
A decoração da sala é no estilo do mais puro requinte indiano, o sujeito sentado no sofá quis criar um Taj Mahal dentro de casa, e conseguiu. Aliás, ele se sente o próprio imperador Shah Jahan, pois só sabe dar ordens para os seus empregados/servos; a expressão "por favor" não existe em seu vocabulário, mas isso é normal para quem já nasceu dando ordem nas pessoas.
Por falar nisso... O nome Shah Jahan quer dizer rei do mundo, em persa, e não existe alcunha melhor para eu chamar o meu personagem central, até porque ele não possui nome, não possui face, só possui súditos, poderes e status, e no Brasil isso já é mais do que suficiente.
Sentado no sofá maldito ele bebe o seu whisky  envelhecido por décadas, e há décadas é Shah Jahan que dá as cartas do jogo, o tabuleiro, por sinal, fica na sua sala, ao lado do sofá.
Shah Jahan é o cara que manda prender e manda soltar, é ele que diz se determinado projeto de lei vai ser aprovado ou não, é ele que escolhe o político que irá lhe representar, a emissora de TV que irá propagar a sua filosofia, é ele que decreta quais serão as principais notícias da mídia; enfim, ele manda em tudo! E é por isso mesmo que a sua diversão favorita é sentar-se em seu sofá, ligar sua TV - que ocupa toda a parede da sala - e rir, apenas rir. Ah! Um dos seus capítulos favoritos desse reality show macabro é quando ele vê a população dizendo que o presidente do país é que manda em tudo, ele ri de ter cólicas.
Shah Jahan também acha graça da morosidade do povo, que diariamente luta entre si por conta de seus mandos e desmandos, ele já cansou de dizer que irá morrer sem entender porque as pessoas ainda não se conscientizaram que estão sendo manipuladas desde o momento que acordam até o momento em que vão dormir, depois de um dia extremamente desgastante e humilhante. Ele sabe que seu império poderá ruir apenas com um assopro, caso todos os cidadãos resolvam realmente se unir em prol de um objetivo comum, mas esse é o grande problema: Shah Jahan conseguiu com que as pessoas ficassem extremamente individualistas, a maioria só pensa em causa própria, e povo desunido é sinônimo de povo fraco, e povo fraco garante o império do homem sem face e sem nome. Por conta disso, ele sabe que o seu império irá durar por infinitas gerações, certamente seus filhos e netos terão muito mais poder do que ele tem hoje.
O mais irônico de tudo isso é que Shah Jahan sabe que quando sair de seu Taj Mahal e for para a rua, a população irá realmente tratá-lo como um verdadeiro imperador, afinal, ele tem cara de homem de família (a tradicional brasileira), anda bem arrumado, é bem asseado, fala bem, é caucasiano, é cristão, não está envolvido em escândalos, possui um sorriso cintilante que irradia luz por onde passa. Definitivamente, não há porque desconfiar de um ser como este. 

Bruno Rico.

Pelos nossos.


Por Frida não me Kahlo!

Por Steve faço Biko
se mexerem com meus irmãos.

Por Malcolm enfrentarei o X da questão,
principalmente se envolver opressão.

Por Martin serei o King do meu tempo,
e não aceitarei homem algum como Senhor.

Por Desmond buscarei o meu Tutu,
mas sem passar por cima de cabeças.

Por Chica não serei só mais uma Silva,
pois ninguém impedirá o brilho da minha estrela.

Por Antônio serei o Conselheiro
de quem nunca foi ouvido.

Por Virgulino serei o Lampião
dos que só enxergam sombras no caminho.

Pelos nossos serei sempre carne dura,
pois fraqueza nunca foi o nosso forte.

Bruno Rico.


Vai dar trabalho.

Produzir ódio é muito mais fácil do que produzir amor. Produzir amor demanda tempo e, consequentemente, dá muito mais trabalho. Dependendo da circunstância, você será capaz de odiar uma pessoa em um minuto, mas jamais amará ninguém em um minuto. Vivemos em um mundo de praticidade, de aplicativos que facilitam funções, de funções que facilitam a vida, de uma vida onde o tempo é mais do que escasso, tão escasso que hoje em dia tempo está valendo mais do que dinheiro. Posto isso, é mais do que evidente que produziremos muito mais ódio do que amor. As pessoas não andam com tempo nem para cuidar de si, que dirá para produzir amor, ainda mais se esse amor for pelo outro. Sem falar do medo, quem ama quer ser amado de volta, e teme pela não reciprocidade; já quem lança o ódio, geralmente está pouco se importando se será odiado ou não pelo outro, alguns até fazem questão que esse ódio seja correspondido, mas se ele não for, será um ódio não retribuído, que dói bem menos do que amor não correspondido.
Ainda sobre o ódio, alguns acham que ele representa o oposto do amor, mas isso está longe de ser verdade, ódio exige sentimento - mesmo que ruim -, ambos caminham em uma linha muito tênue. É por isso que o verdadeiro antagonista do amor é a indiferença, que nada mais é do que a ausência de sentimento, e quando não se tem sentimento não se tem absolutamente nada.
Então já temos o tempo, o medo e a indiferença contra o amor. Percebeu como o ódio - aparentemente - possui muito mais prós do que contras? Pois então, é assim que o mundo quer que você pense, isso se chama senso comum. O amor precisa ser produzido, já o ódio possui efeitos devastadores se for apenas reproduzido. Veja mais uma desvantagem do amor: produzir algo é muito mais difícil do que reproduzir. Só que quando produzimos alguma coisa, essa coisa possuirá a nossa cara, a nossa essência, e nos dará muito mais orgulho, experimente pra ver.
O ódio é corrosivo, o amor é revigorante, a vida é muito curta para ser tão ácida.
Vença os seus medos, sua falta de tempo e a indiferença que o mundo impõe sobre você. Vai dar trabalho, mas vai valer a pena. Precisamos ter mais trabalho, precisamos produzir mais amor.


Bruno Rico.

FRASE #5

Se muitas coisas não dessem errado, poucas coisas dariam certo. 

Bruno Rico.

Empoderamento negro.

Esse ano o Salão do livro em Paris homenageia a literatura brasileira, num total foram convidados 43 escritores. Eu, particularmente, só sabia da ida de um escritor negro, que é o Paulo Lins, mais conhecido pela obra "Cidade de Deus" que deu origem ao famoso filme. Portanto, só fiquei sabendo que havia uma escritora negra depois de ler esta matéria da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/03/1606652-negra-em-salao-do-livro-causa-furor-diz-autora-brasileira.shtml
Eu como escritor de pele preta sei bem o que essa escritora deve estar passando. Algo parecido já aconteceu comigo em um festival literário que participei aqui no Rio de Janeiro, as pessoas me fitavam com um olhar de estranheza, tipo "Mas esse criolo é escritor?".
Em um concurso literário que participei uma vez, fui até abordado por um dos participantes. O concurso era de poesia, e eu tinha que subir ao palco para recitar a minha, quando desci ele me disse o seguinte: "Rapaz, quando você subiu eu logo disse para a minha esposa que você não tinha cara de poeta, mas assim que você começou a recitar eu fiquei muito surpreso e feliz, pois você é dos bons, parabéns." Nem preciso dizer que o cara era branco. A abordagem dele até que foi bem amistosa e simpática, ele estava realmente satisfeito de me ver ali, pois talvez ele nunca tivesse conhecido um poeta preto pessoalmente. Eu fiquei com essa história na minha mente por muito tempo, foi algo marcante, lembro até hoje, e isso me dá força para continuar fazendo o meu trabalho, quero que as pessoas se espantem mesmo, sempre adorei quebrar paradigmas, sempre gostei de causar surpresas. Só que em contrapartida, eu sei que nem todo negro vai lidar muito bem com essa situação, até porque as pessoas são diferentes umas das outras, cada um tem sua personalidade; do mesmo modo que eu posso me sentir forte por uma situação, outro irmão pode se sentir fraco pela mesma situação. E é por isso que é tão importante que os negros estejam em TODOS os setores da sociedade, principalmente os mais prestigiados e ainda conhecidos como elitizados, pois a literatura é um ambiente totalmente elitizado, e consequentemente esbranquiçado - assim como inúmeros outros setores. Mas isso precisa mudar! Por isso o empoderamento do negro precisa ser cada vez mais forte, para servir de exemplo, para que a criança negra olhe e veja que pode ser o que quiser, mesmo que ela não se veja representada em maioria, mas ela precisa ver algo, precisa saber que existe alguém lá, fazendo o que ela quer fazer, e ela precisa ver que aquela pessoa é parecida com ela.
No caso dessa escritora deve ter sido muito pior, até por ela ser mulher e o evento ser na Europa. A sensação de se sentir um estranho no ninho é muito complicada. Mas precisamos ter representatividade!
Destaco aqui uma fala extremamente marcante da escritora:


"A presença da negra fora das instâncias em que se está acostumado a vê-la causa furor. Não seria a mesma coisa se isto aqui (o salão) fosse um festival de gastronomia em que baianas estivessem preparando acarajés."


Cacos de um pós-temporal.



A felicidade se dissipa em nossas mãos
mostrando como a vida é volátil,
como o coração é frágil
e como somos vulneráveis
a perda de um sorriso fácil.

Vida é sinônimo
de vendaval.
Um dia estamos bem,
fazemos planos,
sonhamos juntos,
nos alimentamos
da felicidade do outro
e, de repente...
Surge o vento em forma de temporal.
Vento que nos dá uma rasteira,
nos joga para o alto
e nos rodopia sem destino.
Daí, somos obrigados a levantar na marra,
quando na verdade,
o que queríamos mesmo era ficar no chão
e fazer deste chão a morada eterna
da nossa dor.
Dor que surge como água,
mas não a que escorre pelo ralo,
e sim a que entope e empoça
nosso peito,
quase sempre transbordando
por nossa face.

Às vezes dói ser forte,
levantar sem ter
em quem se apoiar
sobrecarrega o corpo,
que já não tem mais o outro
corpo para afagar.

No fim, só resta a saudade,
que corta a carne feito navalha,
só para mostrar a todo custo
que ainda estamos vivos,
mesmo que não pareça.


Bruno Rico.

Os canalhas da Mangueira - Capítulo 3.


Os canalhas da Mangueira.
Capítulo 3 – O corno da cuíca. 
Este conto possui pitadas – senão o saleiro todo – de sexo, traição, aventura e amizade.

Mangueira teu cenário é uma beleza, que a natureza criou...

  Renato é o filósofo-poeta do grupo, estudou nas melhores escolas e pôde desenvolver muito bem o seu intelecto, e isso só o deixou mais canalha ainda; sabe como é: quanto maior o conhecimento, maior o poder de argumentação.
Ele é o tipo do homem de fala doce e olhar tranquilo, os amigos dizem que daria um bom político, pois ele passa uma credibilidade incrível ao falar, até os próprios amigos que sabem que ele está mentindo chegam a ficar na dúvida em diversos momentos, imagine as mulheres carentes, ouvindo todos os gracejos que ele tanto gosta de dizer.
Além de tudo isso, Renato também é um cara boa pinta, possui aquele típico perfil que os homens gostam de colocar em bate-papo de internet: alto, moreno, corpo atlético e olhos claros. Ou como diz aquela música: “Menino do Rio, calor que provoca arrepio, dragão tatuado no braço...”. Pois então, esse é o perfil físico do Renato, com direito a dragão no braço e tudo.
Mas Renato não faz sucesso somente com as mulheres não, o seu jeito tranquilo de ser também encanta os seus amigos, aliás, ele é um diplomata por natureza, sempre que alguém pensa em brigar ou discutir, chega o bon vivant do Renato para deixar tudo em ordem. Ele é assim, um cara boa-praça por natureza. Quando chegou à bateria da Mangueira, logo foi tachado de playboy no primeiro momento, sabe como é, né; aquela pinta de surfista, morador da Barra da Tijuca, aquela cara que fora criado a muito leite Ninho. Favelado também tem seus preconceitos, como todo ser humano. Mas logo que o preconceito foi vencido ele se transformou em um dos ritmistas mais queridos de todo o grupo, justamente por ser um cara extremamente do bem, por tratar todos de igual pra igual, e tudo isso sempre com um sorrisão no rosto. Na Mangueira as pessoas falam assim: “Irmão, quem não se dá bem com o Renato, não se dá bem com ninguém.” E é verdade.
Com tamanhos predicados e uma alma extremamente canalha, não demoraria muito para que Renato começasse a fazer sucesso com a mulherada do morro. Assim como o Tyson faz sucesso com as madames do asfalto, o Renato também faz sucesso com as moçoilas do morro, afinal de contas, todo mundo quer experimentar coisa nova, não é só o pretinho que quer dar uns amassos nas branquinhas dos condomínios não, as pretinhas do morro também querem – e possuem todo o direito - de saber se o branquinho do asfalto possui aquele molejo gostoso na hora de bater virilha. 
E logo no primeiro mês de Mangueira o Renato já fez uma vítima, e uma bela vítima. Ele traçou a Dindinha, uma das passistas mais cobiçadas daquela época, e que até hoje permanece como uma das mais gostosas, só que agora ela aparece pouco na quadra, casou-se com um italiano e vive muito bem em Parma, mas sempre que volta ela faz questão de matar a saudade da pegada do Renato.
Nessa época da Dindinha, Renato, como bom canalha que sempre foi, já sabia que aquele seria um momento importantíssimo para fazer seu nome com a mulherada, afinal de contas, ele precisava fazer tudo muito bem feito com a passista, do contrário, ela falaria mal dele pelo morro inteiro, só que se ele fosse um cara bom, ela iria falar bem – pois mulher não guarda a língua dentro da boca – e as portas estariam abertas para ele seguir espalhando o seu amor pela Mangueira.
E Renato representou, ele sabia que não poderia vacilar, tratou de estar bem dormido, bem alimentado, e fez o que tinha que fazer. Dindinha ficou radiante ao ver que o playboy do asfalto também sabia fazer bem feito, divulgou o material para as amigas do morro e o grande Renato desfruta dessa fama até hoje.
Justamente por isso, Renato se tornou um dos maiores pegadores da Mangueira, quando ele queria variar um pouco, ia para o morro do Tuiuti, vizinho da Mangueira, mas as mulheres do morro sempre foram as suas preferidas, principalmente as pretinhas, inúmeras foram as vezes que ele se apaixonou por uma desse naipe, mas a paixão do Renato sempre foi que nem chuva de verão, vinha com uma intensidade incrível em um momento, e no outro o céu já estava aberto pronto para um novo temporal. 
Renato costuma dizer que as mulheres do morro são bem mais quentes que as do asfalto, que elas possuem menos frescuras e são capazes até de transar agarradas a um ventilador de teto, só para dar prazer para o companheiro, e ele não via essa entrega com as mulheres do seu convício social, aliás, segundo ele, isso só aconteceu uma vez, com a Silvia, que ele é casado até hoje. 
Por conta desse fascínio pelas mulheres do morro, Renato já arrumou muita confusão nessa vida, e foi por causa disso que ele conheceu os amigos Beto, Tyson e Emílio, se não fosse por esses amigos, Renato certamente não estaria mais nesse plano carnal.
O cara tem muita história pra contar, mas uma das mais marcantes, que vira e mexe vem à tona na roda dos amigos no AP do Emílio, é a história do corno da cuíca, que todos os canalhas julgam como uma das melhores e mais perigosas já vividas por Renato.
Apesar de gostar de traçar as mulheres do morro, Renato sempre soube que isso era muito perigoso, afinal, tinha muita mulher de bandido e muita mulher de ritmista da própria bateria da Mangueira, e ele sempre evitava essas mulheres, mas era praticamente impossível, até porque as mulheres mais gostosas eram essas mais perigosas, e Renato sempre foi fã do perigo, desde novo, e tudo isso deixava a situação ainda mais atraente para ele.
Uma vez ele já estava com a arma apontada na cabeça, prontinho pra morrer, pois havia pegado uma das mulheres de um bandidão da Mangueira, até que o Beto, muito considerado com a rapaziada do crime, conseguiu contornar o caso, e depois disso o Renato passou a evitar esse tipo de envolvimento, ou pelo menos tentou.
Mulher de morro é complicado, ainda mais se for gostosa, pois tem sempre alguém bicando, isso é fato, elas nunca estão sozinhas, e o Renato sabia disso, mas mesmo assim pagava pra ver.
Certo dia, o Cosme da cuíca fez a festa de seu aniversário na sua laje, aquele churrasco clássico no alto do morro. Cosme chamou os quatro canalhas, até porque ele sempre gostou muito de todos eles. Chegando lá todos se depararam com a belíssima Iara, esposa do aniversariante, que até então ninguém conhecia, pois o ciumento Cosme evitava que sua esposa desse as caras na quadra, justamente por ela chamar muita atenção.
Nesse dia Iara estava com um shortinho jeans, faltando pouco para aparecer a polpa da bunda, blusinha coladinha, com uns detalhes transparentes, sandália com salto bem alto para valorizar a bela bunda, e a todo o momento mexia nos belos cachos de sua vasta cabeleira, e como dizem que mulher quando quer alguém mexe muito nos cabelos, todos ficaram alvoroçados com aquela mulher, que não era nada discreta  e fazia de tudo para chamar a atenção. Todos os homens que estavam no aniversário olhavam para ela – discretamente, é claro - e era aí que ela se remexia mais ainda, parecia estar amando ser cortejada por todos aqueles machos, e o Cosme já muito bêbado, percebia tudo, mas aparentava não esquentar muito, fazia cara de corno conformado, e talvez fosse mesmo.
O tempo seguia correndo, o pagode seguia comendo, a carne seguia queimando e todo mundo seguia olhando para a tal da Iara, mas ninguém tomava uma atitude, afinal de contas, ela era mulher do parceiro, do dono da festa, teria que ser alguém muito canalha para fazer isso. 
Só que esse canalha apareceu, e essa pessoa não poderia ser outra a não ser o Renato. Em determinado momento da festa os dois sumiram, e todos os canalhas já sabiam o que estava acontecendo, agora só restava se preparar caso desse alguma merda, pois o lema um por todos e todos por um sempre foi muito forte no grupo, e por mais que eles achassem que o Renato estivesse fazendo algo errado, se rolasse porrada eles iriam defender o amigo com unhas e dentes, independente de quem fosse apanhar, e todo mundo sabia que tanto o Beto, quanto o Emílio e o Tyson, eram mestres na arte do porradeiro, e isso sempre ajudava a impor respeito, e por isso mesmo as pessoas evitavam mexer com qualquer um deles, pois sabiam que se tocasse em um, a porrada ia cantar com os quatro.
A sorte é que nesse dia ninguém precisou brigar com ninguém, Renato saiu para dar um amasso de alguns minutos na Iara, só pra sentir a carne, e eles marcaram de finalizar tudo em outra ocasião. Como já estava todo mundo bêbado, a maioria nem se ligou nos inúmeros olhares trocados entre Iara e Renato, teve uma hora que até a calcinha a donzela mostrou para o Renato, que foi embora excitadíssimo, disposto a traçar aquela carne já no dia seguinte, e não deu outra.
No dia seguinte lá estava Renato, dentro da casa do Cosme da cuíca, mandando ver na mulher do cara, que estava na rua trabalhando. Todos os amigos achavam isso a maior loucura do mundo, pois o ideal seria levar a mulher para um motel, ou qualquer outro lugar fora do morro, mas não, Renato gostava exatamente das maiores loucuras do mundo, e por conta disso fez questão de finalizar a Iara dentro da casa do corno, em cima da cama do casal, ele dizia que isso deixava o sexo bem mais gostoso, justamente por conta do perigo, e vida sem risco não era vida para ele.
Só que como os amigos já haviam previsto, nesse dia deu merda. Os dois foderam tanto que chegaram a perder a hora, o cornão da cuíca já estava entrando em casa, quando Renato só teve tempo de esconder suas roupas e ir para baixo da cama. A Iara, um tanto desesperada e suada, tentou disfarçar e dar um passeio com o marido do lado de fora da casa, mas ele não quis, alegou estar cansado, com dor de cabeça e queria dormir logo, precisava cair na cama. Mas ele não podia em hipótese alguma deitar naquela cama, pois o Renato estava embaixo dela, louco para sair dali.
Prevendo que o coro ia comer, Renato tratou de respirar e viu que precisava pensar em algo rapidamente. Foi aí que ele reparou que nas roupas que havia catado as pressas, estava o seu aparelho celular, e a única coisa que lhe passou pela cabeça foi mandar uma mensagem pedindo ajuda para o amigo Beto, que morava a menos de cinco minutos dali.
Renato deu a maior sorte do mundo, pois aquele horário não era uma hora em que o Beto costumava estar em casa, mas como todo canalha precisa de sorte, o Beto estava em casa, viu a mensagem logo de pronto e correu para socorrer o amigo.
Quando Cosme da cuíca pensou em entrar no quarto, um homem começou a bater incessantemente na porta da casa, a pessoa parecia estar nervosa, e Cosme foi correndo para ver o que era.
- Que apavoramento é esse aqui na minha porta, o que aconteceu Beto?
- Cosme, meu amigo, a dona Lourdes ali do bar ta passando muito mal, ela precisa de ajuda e como eu estava passando por aqui pensei em você.
- Mas passando mal de que, homem?
- Não sei ao certo não, até porque não sou médico, só sei que a gente tem que ir lá agora, vem comigo.
Sem dar tempo para que o Cosme sequer calçasse suas sandálias, Beto tratou de arrastá-lo morro acima para o tal endereço onde ele havia inventado que uma mulher estava passando mal.
Foi nesse pequeno período que Renato recolheu suas coisas, ainda deu um baita beijo na boca de Iara, e desceu do morro praticamente correndo, como bandido que estivesse fugindo da polícia. 
Por fim, o Beto desconversou tudo, disse que já haviam levado a senhora doente para o hospital e que estava tudo certo.
Quando Cosme chegou em casa sua esposa já estava bem perfumada, de banho tomado, a cama já estava com os lençóis trocados e ela já estampava um largo sorriso no rosto. 
Depois de toda essa confusão, Beto encontrou com Renato em um bar que fica logo na entrada do morro, ele xingou Renato de tudo o que é nome, disse que essas maluquices ainda iriam matá-lo de verdade. Renato deu um abraço tão forte no amigo que chegou a erguê-lo no ar.
Mas Beto não conseguiu ficar aborrecido por muito tempo, pois Renato estava com um sorriso fora do comum no rosto, estava com cara de abobalhado, cara de menino que acabara de ganhar o primeiro videogame.
No final os dois beberam e riram muito de toda aquela aventura. Beto fez questão de ligar para Emílio e Tyson, que prontamente chegaram ao bar para rir de tudo aquilo até o dia clarear, como bons canalhas. 

Bruno Rico.

Aguarde pelos novos capítulos, pois os canalhas da Mangueira possuem muitas histórias pra contar.      

MÚSICAS QUE ME FAZEM POETIZAR #4



Letra:

A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite, a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora
A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite e a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora
O samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer
Veja o dia ainda não raiou
O samba é o pai do prazer
O samba é o filho da dor


O grande poder transformador