A primeira gota.



 
Ah, como eu venero os dias nublados,
Que possuem uma beleza peculiar
A cada ser diáfano que sabe apreciar tal nuance
Como ninguém,
A ponto de achar poético
O simples impacto da primeira gota que cai do céu.

A primeira gota:
Transborda vida.

A vida:
Anda seca.

Vidas secas = corações áridos,
Que não servem para absolutamente nada!

É preciso apreciar o sussurro da garoa caindo na surdina.
Parece que nada está sendo dito,
Mas observe o chão,
Ele está molhado,
É água, e água é vida.
Pois então,
Estamos vivos!

Nós somos a primeira gota de um transbordamento
De dois seres que já não cabiam mais em si.
Sejamos então,
A primeira esperança do dia,
O primeiro sorriso matinal na frente do espelho.
Sejamos o que não encontramos no alheio,
Sejamos a mudança que vem do nosso anseio.
O arriscar sem receio,
O falar, sem rodeio.
E o principal:
A primeira gota de um amor que ainda não veio.

Bruno Rico.

O velho ermitão.






Mesmo com as cinzas de cigarro
Amontoadas em um cinzeiro asqueroso,
Aqui ainda me parece o melhor lugar.

Lá fora tem muito mais sujeira,
E ninguém parece se importar.

A televisão está quebrada – melhor assim.
O rádio segue noticiando velhas novidades.
As Memórias Póstumas de Brás Cubas
Novamente ganham vida em minha mente,
Talvez seja a centésima vez que leio este livro carcomido;
Confesso que perdi a conta, assim como o juízo,
Que fiz questão de deixar lá fora,
Junto dos loucos.
Mas mesmo assim,
Aqui ainda me parece o melhor lugar.

Lá fora o reflexo do novo mete medo,
Um medo que se industrializou
Em uma indústria que só produz morte.

Sendo assim,
Prefiro morrer aqui dentro,
Sentado em meu sofá,
Esperando pelo que não há,
E pouco me importando em me modernizar
Para agradar aqueles seres estranhos
Que estão acolá.


Bruno Rico.