Ralado.



 
Quando se é criança
o corpo sofre.
A gente corre,
o pai aconselha a ir devagar,
a gente não ouve;
corre, cai,
rala pé,
rala cotovelo,
rala joelho,
rala o corpo inteiro.

Quando se é adulto
a alma sofre.
A gente ama,
planeja, almeja,
o instinto aconselha a ir com tudo;
a gente ouve,
corre, cai,
rala a fé,
rala os sonhos,
rala a esperança,
rala o coração inteiro.

E assim segue a humanidade...
Crianças ralando o corpo em uma corrida,
adultos ralando o coração na vida.

Bruno Rico.

Cansaço cinza.


Quem vos escreve é um escritor cansado!
Os dedos percorrem o teclado vagarosamente, falta o ânimo, o tesão; sem tesão nada se faz nessa vida. Mas não me falta paixão pela escrita, muito pelo contrário, não faltam palavras, muito menos assunto, o que me falta na verdade são leitores ávidos por qualquer coisa que não seja a alienação e o conformismo.
O cansaço que consome minha pobre alma de escritor se instalou em mim mais pelas retinas do que por qualquer outro meio. O que vejo, de fato não me agrada. Tudo parece cinza, muito igual, muito linear, quem destoa é apedrejado, já não existem mais artistas como antigamente, todos são vaidosos ao extremo, com muita pompa, muita pose e pouca arte. O restante da população também segue a mesma mesmice, cansativa e cinza.
No passado as coisas poderiam não ser mil maravilhas, mas o povo era mais aguerrido, tinha mais vontade no olhar, era mais próximo. Hoje, graças às tecnologias, todos parecem tão distantes. Quando o amigo faz aniversário, muitos já se esqueceram do abraço, ou até mesmo de um simples telefonema, preferem um SMS, ou uma mensagem em uma cinza e fria rede social, só que nada disso transmite o calor que aquece a alma.
Meu texto tem pitadas de saudosismo sim! É o que me resta, ancorar-me em tempos de outrora para não naufragar neste mar cinzento de futilidades.
Mas ora, ora. Vejam-me aqui, velho e rabugento, um cidadão que não chegou aos trinta, falando de um passado que já se apodreceu e virou cinzas. Pois é, quase sempre é assim que me sinto, um velho! O meu consolo é que os velhos são sábios, e sabedoria é bem diferente de inteligência, pois você poderá encontrar um inteligente que não é sábio, mas você jamais encontrará um sábio que não é inteligente, isso é milenar, e talvez seja este o principal abismo da humanidade: as pessoas estão perdendo a sabedoria.
Hoje em dia é preciso explicar o óbvio, a nossa geração se auto alienou, atingiu níveis inimagináveis de ignorância, chega a ser patético e altamente cansativo ter que explicar sempre as mesmas coisas para os néscios adestrados por uma mídia tendenciosa e uma educação falida.
Agora morreu Mandela; pronto! Todo mundo é contra o racismo e a favor dos direitos igualitários para o ser humano. Hipocrisia: uma das coisas que mais me cansa.
Daqui a pouco estouraremos espumantes para nossas efemérides de dezembro; pronto! É hora do cidadão se endividar para comprar aquele presentinho, para dar àquela pessoa que ele nem suporta. Hipocrisia + demagogia: essa é pra fechar o pacote das coisas que mais odeio.
De fato o meu cansaço é cinza. Mais cinza que a neblina de poluição causada pelo homem, que segue com o seu objetivo ferrenho de acabar com o mundo. Cataclismos? Maremotos? Cometa caindo do céu? Esquece tudo isso, o mundo não terá o seu fim dessa forma, enquanto você lê este texto (se é que chegou até aqui), empresas petrolíferas extraem petróleo da Antártida, pois é, não precisa ser nenhum gênio para saber que as calotas polares irão derreter, inundar os mares, acabar com cidades e desregular todo um eco sistema; mas enfim, como sempre o dinheiro fala mais alto do que tudo.
Agora vou encerrar por aqui este meu texto pessimista, pois me tornei um escritor cansado, sem saber para quem escrever, simplesmente por achar que estão todos no mesmo barco furado.
E por falar em escrever... Meu livro segue sem muitos leitores, as pessoas estão com preguiça de conhecer o novo, não tenho vergonha nenhuma em dizer que me frustrei com o lançamento do meu primeiro livro, eu não tenho essa vaidade de dizer que fracassei em algo, muito pelo contrário, eu acho que isso engrandece a alma de um homem. E é por isso que eu digo que até o momento a minha carreira literária está um fracasso, talvez eu não seja o escritor primoroso que julgavas ser; talvez as pessoas também achem isso. Também tenho ciência que em uma literatura totalmente elitista como a do Brasil, um escritor do morro não tem muito espaço, no entanto os livros mais fúteis do mundo seguem como os mais vendidos, de fato tudo isso é muito desanimador, mas eu não vou ficar aqui me lamentando mais ainda, por hora estou desanimado sim, e isso deixa um escritor meio sem rumo, mas eu jamais deixarei de escrever, mesmo que escreva com o objetivo que faço agora, que é o de apenas esvaziar a alma, mesmo que ninguém leia. Confesso que já não me importo mais com isso, ser lido ou não ser lido, não é essa a questão, o mais importante sempre foi dar vida para as palavras que gritam por liberdade, essa é a essência maior de um escritor. Lógico que ficarei muito honrado se alguém até aqui chegar, e ainda por cima adquirir uma estima por tal garatuja, mas confesso que já me desfiz deste tipo de vaidade, aliás, cada vez me desfaço mais, por mais que este texto tenha uma essência escura e pessimista, eu consigo ver luz, a luz de um ser humano melhor, que a cada dia que passa se importa menos com o alheio e se respeita cada vez mais, e assim eu seguirei na minha caminhada.
Certamente mais para frente eu lançarei outros livros, sou teimoso, faço com amor, então não tem porque parar.
Porém, o cansaço cinza continuará. Talvez até a minha morte, quando uma terra cinza por fim me cobrir, e quem sabe neste dia eu possa enfim ver o pássaro da esperança, verde, impoluto e lindo, pois no momento não consigo vê-lo, a poeira cinzenta não deixa, mas eu espero sinceramente que este pássaro ainda esteja vivo em algum canto, e que não esteja cansado como eu, muito menos cinza como estas palavras.

Bruno Rico.
 


Emocionante!